Há criaturas que nem sequer têm a mínima noção da sorte que têm, da "cága", da vaca, da leitosa, da leiteira que por vezes a vida lhes sopra e nem sequer precisam de uma pata de coelho nem de um trevo de quatro folhas.
Ora então, passo a relatar a sorte grande à qual assisti hoje.
Para não variar, uma varejeirazorra arraçada de bóing, andava a azucrinar-me o juízo. Pimbas, de encontro contra o vidro do gabinete, mas o dom dela de atravessar vidros devia de estar sem pilhas no comando, então era só cabeçada fervosa a ver se trespassava o vidro subtilmente. Porém, tal como há bichos alados a dar com um pau - ou folha de papel enrolado num canudo e vai de fazer de raquete - também há seres com muitas patas, inúmeros olhos, peludas, cú grande e com a mania de se andarem a babar por todos os lados. Até aí, nada de novo. Cada um na sua vida, uns trabalham ao computador e outros fazem crochet nas teias. É assim a vida. Infelizmente, tive de sair do quentinho do gabinete e ir para a arca frigorífica, que é o resto do complexo. Igual a um cão de guarda, a varejeira perseguiu-me. Vai de andar à minha volta, fazia razias à cabeça, passava pertinho dos ouvidos - parecia eu que estava a ouvir fórmula 1 - e assim teve até que, pimbas, se espetou no crochet da aranha. Vai a aranha toda lampeira e a varejeira fugiu - deve ter andado a ver o Hobbit neste fim-de-semana de Natal e aprendeu como sair das teias das aranhas - toda alegre da vida, voltando a fazer-me razias. Vai uma... vai duas... vão três e pimbas novamente na teia da aranha, que entretanto já tinha largado as agulhas e estava à cóca a ver se apanhava a varejeira. E acham que foi desta? Não, não foi desta. O ser alado estava dar-me baile a mim e à aranha. Felizmente, lá lhe deu alguma coisa naquele exoesqueleto e foi arejar para outros lados. A aranha ali ficou, à espera que a outra lá voltasse para a apanhar, mas a tipa escapuliu-se mesmo em grande e em alta.
Eu ainda disse à aranha, que podia ser que ela tivesse sorte e que à terceira costuma ser de vez, como diz o povo. Ela ainda esperou... Mas não. Desta vez, não foi assim. E lá voltou ela para as suas agulhas, para continuar a fazer a sua manta de crochet para as visitas da sua teia.
É o que eu digo, há bichos com muita sorte e nem sequer têm a noção disso. Zero! - Não tenham pena da aranha, que ela tinha lá dois convidados a aguardarem pela ceia. Também não precisa ser gananciosa e arranjar mais um.
E ainda continuando no tema das aranhas, como sabem, aranhas e eu, eu e aranhas, é uma atracção fatal.
Há dias, entro no peixmobil, ponho-o a trabalhar, acendo as luzes e lembrei de procurar uma coisa no porta luvas. Sabem, normalmente eu costumo mexer na temperatura da viatura mal assento o bafunfo no banco, mas naquele dia não me deu para isso. E vasculhei um bom bocado o porta luvas. Não encontrei o que queria, ajeitei-me no banco e ponho o cinto. Senti algo estranho, não sei explicar. Olho para o painel e bem na "roda" da temperatura do meu lado, perto da minha perna, estava uma aranha. Ali tranquila... Pormenor: eu não tenho medo de aranhas e afins. E exclamei: "Fosga-se, ca ganda animal!!!" Pois é, pois é... A menina só era maior que o diâmetro da roda da temperatura. Que é isso? pfffff Maricas, Peixa. Que fiz? Lá teve de ser. Peguei numa perninha dela, abri a goela e finquei o dente de uma só vez! eheh Nada disso. Pego num pano e nada que um golpe palma de mão não resolva, me certificando que ela de facto jazia sem vida no pano e que não me estava a indrominar, mandei-a pela janela - não fui embora sem antes sair do carro e me certificar que o cadáver estava na estrada. Nunca fiando com estas bichas do demónio.
Bem que eu me andava a perguntar, porque raio a viatura não andava a puxar... Já desconfiava do combustível e tal, afinal afinal, era do aranhão que andava a passear à boleia. Olha agora... Devia de achar que sou algum Uber, não? Era o que me faltava.