É com muita tristeza, que tenho de dar esta notícia.
Pois é meus caros, pesa o coração. Muita mágoa. O que vale é que as boas memórias prevalecem. Vou-me deixar de rodeios porque acredito que as más notícias, devam ser dadas sem paninhos quentes nem falinhas mansas, usando a técnica do penso rápido ou do puxar da banda de cera no peito do Tony Ramos. Dói, mas têm de ser.
Ontem à noite, deu-se um acontecimento: a minha comadre aka saco de água quente, desfaleceu. Estava tudo bem, estava operacional como sempre. Pronta a que eu colocasse a água a ferver dentro da sua criatura, com o intuito de me aquecer as mantas antes de eu me deitar. E assim foi. Até ao momento fatídico, em que a coloquei no fundo da cama e lá encostei as escamas. Bem antes de dar o peido mestre do seu último suspiro, ainda teve tempo de me dar uma última lição de vida: nunca por os pés descalços nos sacos de água quente, pois a porra da borracha a escaldar, queima os presuntos. E que aprendizado útil e legado ela me deixa.
Não consigo descrever o que senti, depois de ter queimado os pés mesmo na única zona do saco de água quente que não tinha aquela cobertura exterior, volto a frisar, a única, e quando desvio o pé, sinto os lençóis humedecidos. Inicialmente ainda achei que era do calor, mas quando começo a sentir poça, deixei de achar piada. Resumindo: queimei o pé, fiquei com os lençóis molhados, o colchão ensopado e ainda com um saco de água quente a menos, vertendo pelo caminho até à casa-de-banho, numa procissão fúnebre gloriosa. Felizmente os lençóis eram polares e não absorveram água nenhuma, mas deixaram repassar para o colchão. Uma verdadeira maravilha da natureza, um deleite para a minha paciência e sono, dado que estava tão quentinha nas mantas e tive de me levantar, esfriando eu e a cama.
Aviso que o funeral vai ser feito hoje, pois tive de deixar verter o resto das entranhas do animal durante a noite no lavatório. Irei tirar as suas vestes, já lhe tirei o pipo e os seus restos mortais vão para raio que os partam e diabo que os carregue.
E assim termina um relacionamento de mais de 20 anos. Muito companheirismo existia. Conforto. Éramos comparsas nos dias de frio e em momentos que eu estava mais fria, aquecia-me sempre sem se negar. Sabia que podia contar com ela. Mas é assim a vida.
Just for the record, eu tenho as unhas dos pés cortadas, por isso não foi nenhum incidente ou assassínio assim, à roupa quente e água a escaldar.
Senti que tinha de partilhar convosco, que iriam gostar de saber.