O meu ode às almas penadas e aos defuntos que me assombram.
A avó Peixa sempre me ensinou a acender uma velinha pelas almas de quem partiu, lhes dando assim luz a quem precisa, as guiando no meio da sua possível escuridão, bem como gesto de amor como recordação de quem amamos e que já não se encontra aqui. Este ano, não acendi velinhas a ninguém. Seja porque não tenho extintor em casa seja porque não tinha assim tantas velas para acender às alminhas que eu gostaria de ter acendido. Além de ser aprazível o quentinho que a chama da vela produz e o ambiente romântico a velas acesas se associa, optei por não acender nenhuma. No meu coração, há sempre o espaço arrendado cativamente a quem amo e que não posso agarrar. Todos vivem em mim. Tenho a minha estrela mais brilhante no céu, que ofusca todas as outras, as fazendo parecerem meras luzes a perderem a força e sem gás. Essa sim, a mais especial de todas, por quem eu perdi o meu norte. Tenho igualmente outras estrelinhas nesse céu estrelado que ao contrário da minha estrelinha especial de corrida, vivem através de mim, enquanto o meu sangue corre pelas minhas veias e enquanto o meu coração bater: os meus antepassados, todos eles estão de certa maneira vivos e não desvanecem, enquanto eu viver. Falta o estarem aqui presencialmente em físico, mas estão em mim e comigo, até ao meu último suspiro terreno. Depois claro, há aqueles que eu não lamento lá muito não fazerem parte integrante da constituição do meu ser, mas que de certa maneira, me ajudaram a eu ser quem sou. A esses - e somente a esses - deixo aqui esta velinha digital. Aos que passaram pela minha vida e não deixaram rasto, aos que me magoaram e continuaram com a sua vida, aos ex maravilhosos que tanto me ajudaram a crescer e amadurecer - sem rancores - e a toda a panóplia de gente que se foi e não faz porra de falta nenhuma. Basicamente a aquelas que se diz "Vai-te encher de moscas, vai morrer longe que é para não cheirares mal". A esses precisamente. Uma velinha à vossa alma, que bem precisa de luz e de guia, a ver se saem dessas catacumbas que é o vosso ego e vêem a luz ao fundo do túnel, que é a parte de fora do vosso rabo.
Tudo sem mágoas, rancores e amarguices. Porque assim é a vida. Tudo e todos nos ajudam em alguma coisa, mesmo quando nos dão pontapés no rabo ou nos puxam o tapete. Por isso, como tal, luz às vossas almas. E vai digital e tudo, que perdura enquanto houverem servers, não faz tanta poluição ou contribui tanto para a pegada ecológica como uma vela de verdade e nem há riscos de incêndio, sim, porque algumas das vossas alminhas, arderia a vela toda, fazendo fogo de artifício por todos os lados e até deveria de arder o chão até à China, tal o quanto precisam.
Aqui fica o gesto. Também eu gostava que quem me detesta me acendesse uma velinha, e não era a das macumbas. Por isso, aqui fica o exemplo.
A avó Peixa ficaria orgulhosa - ou talvez não. Mas talvez sim. Rir-se-ia de certeza, pois melhor do que ninguém, ela sabe a neta que têm e que por debaixo de tanta cicatriz, a luzinha ainda existe. A esperança não está perdida de que eu atine
Saudades