A dura (e ruidosa) realidade.
Começo a aperceber-me de como se sentem as pessoas que têem estradas a atravessar os seus terrenos, que invés de terem sossego, levam com algum trânsito de quando a quando. Tal como há casas construídas em cima de cemitérios índios, locais de culto, terrenos de pântanos onde vivia o Shrek, desconfio que o edifício onde laboro, deve ter sido construído sobre algum sítio mágico ou em cima de alguma estrada daquelas antigas, que a malta ainda passava a cavalo e no carro do Armando (metade a pé, metade andando *tambores ba-tum-tssss*). Digo isto não porque necessariamente é um sítio mágico - se pensar bem, até é mágico: abrir a janela e cheirar a fossa de quando a quando, ouvir os sapos a coaxar no leito do esgoto a embalarem-nos suavemente e nós a adormecermos mais o cheiro fétido a coisas mágicas - onde há unicórnios e borboletas a voarem, mas sim porque se soubessem a quantidade de vezes que tenho libélulas a pairar à porta, como se tivessem à espera que o sinal abrisse "verde" para continuarem a marcha, e a autoestrada que é o meu gabinete, aquando tenho a porta aberta e é só ver moscardos, varejeiras, moscas a passarem na maior das jardas até à janela...! Ultimamente então, é o descalabro. Uma pessoa acaba de abrir a janela para sair um bóing 747, senta a peida na cadeira e pimbas, já está outro à espera na gare, que a janela seja aberta.
Ando a ponderar em colocar uma malha na porta, similar ao que a minha avó metia, aquelas fitinhas para as moscas não entrarem em casa, mas versão eléctrica: assim que alguma se atrevesse sequer a tentar passar, tostava ali na hora. O pior eram os cadáveres do lado de fora, mas iria dar-me um ar de badass frente às moscas, que achariam que ali era a parte do trajecto que aquando olhassem para o mapa, tinha uma caveira em cima, sendo sem a mínima dúvida o local a evitar a todo o custo.
Podia ter a porta fechada... sim, podia. Mas gosto de arejar o quadrado; Podia ter a janela sempre aberta para as bichas continuarem o seu percurso directo, sem terem de atracar à janela, à espera que a ponte eleve e elas dêem combustível aos motores... sim podia. Mas aí passava uma friasca dos legumes vermelhos da horta que nascem em tomateiros e apesar de ser uma criatura muito caliente, há temperaturas que o meu termóstato não aceita e bloqueia; Também podia ignorar as suas constantes passagens à frente dos meus olhos, o andarem às voltas, o voarem alto para a direita, voarem baixo para a esquerda, andarem para aqui com as acrobacias e a parecerem que estão em um concurso de coisas aladas em que recebem pontuação pela melhor performance, mas o pior disto tudo é mesmo o barulho. Nem os escapes furados dos xunings são tão maus nem os tuk-tuks, que vêem lá embaixo na vila e uma pessoa já os consegue ouvir no topo da serra...!
Uma fisgada no meio dos omatídeos das moscas, é que era. Relaxava em três tempos. Isto é um exercício à paciência e ao abstrair do meio envolvente, estar a gramar com aquele som nada irritante nem constante, que uma pessoa até respira fundo quando ela finalmente pousa mas advinhem, falso alarme, e a criatura volta a andar no circuito a todo o gás. Sorte a delas que não se sustentam a combustível fóssil, senão não ganhavam para os pensos. Ainda não passei nesse teste da paciência e nem do amor incondicional por todas as criaturas e mais algumas - dá-me logo vontade de lhes dar uma verdascada com uma folha enrolada ou lhes dar com uma cadeira nos dentes, a ver se sossegam. Não trabalham nem deixam trabalhar, parecem alguns colegas - Mas também vos digo, quem conseguir ter essa mestria e até apanhar as moscas com um pauzinho à Miyagi, bem que o mundo pode estar a ruir à sua volta, que continua ali pávido e sereno, a ver a sua série preferida na tv e a ratar pipocas, coçando o rabo de vez a vez.
Esta é a minha dura (e ruidosa) realidade do meu quotidiano. Se virem bem, explica muito os meus transtornos de personalidade e o tipo de escrita que tenho. Há dias em que só me apetece largar tudo, descalçar os sapatos e fazer um carrapito na cabeça, me enfiando ali no riacho, a coaxar mesclada com os sapos.